Livro: O Sítio do Pica-Pau Amarelo
Capitulo 2: O Enterro da Vespa
De noite, à hora de deitar-se, Narizinho lembrou-se de que havia deixado a
boneca debaixo da jabuticabeira.
— Pobre da Emília! Deve estar morrendo de medo das corujas... e pediu a tia
Nastácia que fosse buscá-la.
A negra foi e trouxe Emília, toda úmida de orvalho, danadíssima com o
esquecimento da menina. E só com a promessa de um belo vestido novo é que
desamarrou o burro. Um vestido de chita cor-de-rosa com pintinhas.
E de saia bem comprida.
— Por que, Emília? — indagou a menina estranhando aquele gosto. — Porque sujei a perna aqui no joelho e não quero que apareça.
— O mais fácil será lavar o joelho.
— Deus me livre! Tia Nastácia diz que sou de macela por dentro e por isso
não posso me molhar. Emboloro. Um dia ainda posso virar condessa e não quero ser
chamada a condessa do Bolor.
— Testo, panela, bolor, fedor! Tem razão, Emília. O melhor é fazer um
vestido de cauda. Para condessas fica bem. Mas condessas de quê?
— Quero ser a condessa de Três Estrelinhas! Acho lindo tudo que é de três
estrelinhas.
— Pois muito bem, Emília. Desde este momento fica você nomeada condessa
de Três Estrelinhas e para não haver dúvida vou pintar três estrelinhas na sua testa.
Todas as criaturas do mundo vão torcer-se de inveja!...
— Todas menos uma — observou a boneca.
— Quem?
— A vespa que ferrou sua língua.
— Explique-se, Emília. Não estou entendendo nada.
— Quero dizer que a tal vespa está morta e bem enterrada no fundo da terra
— explicou a boneca. — Assisti a tudo. Quando ela mordeu sua língua e você fez
pluf! antes de berrar ai! ai! ai!, a jabuticaba cuspida, ainda com a vespa dentro, caiu
bem perto de mim. Vi então tudo o que se passou depois que você desceu da árvore,
berrando que nem um bezerro, e lá foi de língua de fora.
E a boneca contou direitinho o triste fim da pobre vespa.
— Ela ficou ainda quase uma hora metida dentro da casca, toda
arrebentadinha, movendo ora uma perna, ora outra. Afinal parou. Tinha morrido.
Vieram as formigas cuidar do enterro. Olharam, olharam, estudaram o melhor meio
de a tirar dali. Chamaram outras e por fim deram começo ao serviço. Cada qual a
agarrou por uma perninha e, puxa que puxa, logo a arrancaram de dentro da
jabuticaba. E foram-na arrastando por ali afora até à cova, que é o buraquinho onde
as formigas moram. La pararam à espera do fazedor de discursos...
— Orador, Emília!
— FAZEDOR DE DISCURSOS. Veio ele, de discursinho debaixo do braço,
escrito num papel e leu, leu, leu que não acabava mais. As formigas ficaram
aborrecidas com o besourinho (era um besourinho do Instituto Histórico) e apitaram.
Apareceu então um louva-a-deus policial, de pauzinho na mão. “Que há?” —
perguntou. “Há que estamos cansados e com fome e este famoso orador não acaba
nunca o seu discurso. Está muito pau”, disseram as formigas. “Para pau, pau!” —
resolveu o soldado — e arrolhou o orador com o seu pauzinho. As formigas, muito
contentes, continuaram o serviço e levaram para o fundo da cova o cadáver da
vespa. Em seguida apareceu uma trazendo um letreiro assim, que fincou num
montinho de terra:
“AQUI NESTE BURACO JAZ UMA POBRE
VESPA ASSASSINADA NA FLOR DOS ANOS
PELA MENINA DO NARIZ ARREBITADO.
ORAI POR ELA!”
Feito isso, recolheu-se. Era noite quase fechada. No pomar deserto só ficou o
besourinho, sempre engasgado com o pau. Queria à viva força continuar o discurso.
Por fim conseguiu destapar-se e imediatamente continuou: “Neste momento
solene...” Nisto um sapo, que ia passando, alumiou o olho dizendo: “Espere que eu
te curo!...” Deu um pulo e engoliu o fazedor de discursos!
— Não reparou, Emília, se esse sapo era o Major Agarra-e-não-larga-mais?
— perguntou a menina.
— Não era, não! — respondeu a boneca. — Era o Coronel Come-oradorcom-discurso-e-tudo...
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